Agência FAPESP – José Oswald de Souza Andrade (1890-1954), um dos precursores do Movimento Modernista brasileiro, era uma figura instigante e polêmica. Na provinciana São Paulo dos anos 1920, o poeta, ensaísta e dramaturgo era considerado subversivo, excêntrico, imoral. Foi casado diversas vezes e integrou o Partido Comunista, o que ajudou a aumentar o escândalo em torno de seu nome. Muitos chegavam a desviar do caminho para não cruzarem com ele. O preconceito social contagiou sua obra, que por muito tempo foi relegada em prol de autores mais palatáveis.
No livro Eros Alegórico da Melancolia e do Progresso, lançado em abril pela Alameda Editorial com apoio da FAPESP, o paulistano Sandro Roberto Maio busca compreender alguns aspectos das transformações da literatura brasileira no início do século 20, tendo por centro o primeiro discurso modernista a partir da ficção construída em Os Condenados, a trilogia do exílio de Oswald de Andrade.
A opção por centrar o foco em um obscuro romance de estreia, considerado menor pela crítica, foi feita exatamente por não ser óbvia. Sandro Maio busca apontar como Os Condenados, mesmo sendo um romance lateral, foi uma tentativa de modernização literária.
Os romances que compõem a trilogia – Alma, A Estrela do Absinto e A Escada – mostram o diálogo com uma literatura produzida com certo padrão de importação, feita por intelectuais que buscavam conformar a expressão local ao universalismo europeu. “É um romance de diluição para a introdução de novas formas de literatura, uma espécie de busca da representação da modernidade, uma narrativa que levanta questões importantes sobre a produção literária do período”, afirma Maio.
Embora o modernismo no livro ainda seja distante das características vanguardistas que o consagrariam posteriormente – a escrita telegráfica, a blague, os cortes cinematográficos, as técnicas do cubo-futurismo –, já é possível perceber na construção ficcional do romance uma escrita de transição, pautada pelo desejo da inserção de elementos modernos para a demonstração de uma obra atual. O ritmo do texto é irrequieto, de modo a indicar momentos de descontinuidade entre as imagens e a escrita. Mas a narrativa é passadista, tradicional e cheia de adjetivos.
Um autor fragmentado
Formado em Letras e atualmente aluno de doutorado em Teoria Literária na Universidade de São Paulo (USP), Maio explica que seu fascínio pelo autor modernista nasceu de referências não literárias, como a música popular, o tropicalismo e o teatro Oficina. “Oswald costuma chegar fragmentado para o leitor. Sempre gostei de sua poesia, da blague, dos manifestos e da atitude crítica em relação ao que podemos considerar cultura brasileira. Mas tudo me vinha de modo difuso. Nunca o enxerguei como um escritor de literatura, como um escritor clássico. Eu o via como um personagem combativo da discussão cultural.”
Em sua dissertação de mestrado, desenvolvida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) entre 2005 e 2008, Maio tenta reverter esse quadro. Por isso, a escolha de Os Condenados. O livro agora publicado é fruto desse trabalho. “Na trilogia, não reconhecemos nem Oswald nem o modernismo propriamente dito. A linguagem dos livros é carregada, mas mostrar esse outro Oswald foi uma busca para compreender o modernismo por outro ângulo, talvez mais dinâmico e menos pontuado pelas marcas de rupturas já orientadas pela historiografia crítica", explica.
Segundo Maio, Os Condenados também merece atenção por sua aproximação com outras formas artísticas, como o trabalho com as imagens em diversos níveis (cinema, fotografia etc.).
O título da obra deve-se ao fato de que a melancolia e o progresso convivem na mesma esfera de expressão do poeta modernista no primeiro momento do movimento: a entrada de elementos que denotam um avanço, portanto signos da modernidade, em convívio com uma estrutura social rígida e conservadora do início do século 20. Em seu conjunto, Os Condenados expressa a inquietude com a realidade, destacando o papel deslocado do artista nesse contexto.
“O poeta é aquele que, excluído do sistema produtivo, busca seus assuntos nos resíduos que não servem à indústria ou ao mercado”, diz Maio. “Por isso, as imagens constantes do deteriorado, da prostituição, do suicídio, da errância de um sujeito que perdeu a função social reconhecida, de personagens que estão inseridos no vazio do sentido, na lama do progresso e na melancolia que imobiliza transformações.”
Eros Alegórico da Melancolia e do Progresso
Autor: Sandro Roberto Maio
Lançamento: abril de 2013
Preço: R$ 35,00
Páginas: 164
Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br/eros-alegorico
Por Ana Cláudia Fonseca/ Agência FAPESP
21/Outubro/2023
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