Células-tronco são chave para entender Alzheimer

Agência FAPESP – As células-tronco serão peças-chave para encontrar a cura da doença de Alzheimer. Quanto a isso o neurocientista Lawrence Goldstein, professor da Universidade da Califórnia em San Diego e um dos principais pesquisadores da área, não tem dúvidas.

Mas Goldstein não vê futuro em pesquisas que buscam desenvolver terapias de substituição dos neurônios defeituosos. Para ele, as células-tronco são, na verdade, ferramentas que permitirão compreender o que acontece de errado no cérebro e leva ao desenvolvimento da doença.

Com auxílio da tecnologia que permite criar células-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês), o cientista desenvolveu um método que permite transformar células da pele de pacientes com Alzheimer em neurônios. O objetivo, agora, é estudar neurônios de portadores de uma forma hereditária da doença para descobrir quais são os processos bioquímicos alterados que poderiam ser manipulados – por meio de drogas ou métodos genéticos – a fim de reverter o problema.

De passagem por Campinas para participar do workshop “Advanced Topics in Genomics and Cell Biology” – organizado em maio pelo Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho (LaCTAD) e pelo Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), com apoio da FAPESP –, Lawrence revelou à Agência FAPESP detalhes sobre os estudos em andamento.

Agência FAPESP – O senhor é considerado um dos maiores defensores das pesquisas com células-tronco nos Estados Unidos. Acredita que elas permitirão desenvolver uma terapia para a doença de Alzheimer? 

Lawrence Goldstein – Essa não é a abordagem do meu laboratório. Há grupos que tentam desenvolver terapias para Alzheimer usando células-tronco, mas sou cético em relação a isso. Uma vez que a doença se instala e se espalha no cérebro, não penso que seja possível substituir os neurônios defeituosos – pelo menos não com a tecnologia atualmente disponível. Até onde eu sei, os defensores dessa ideia acreditam que as células-tronco poderão ser benéficas por liberar fatores de crescimento que ajudam a manter o funcionamento normal dos neurônios. Mas, se isso for verdade, seria mais simples ativar esse mecanismo por meio de drogas do que pelo transplante de células para o cérebro. Mas é claro que essas pesquisas nos fornecem pistas importantes sobre quais mecanismos devem ser ativados. Não acredito que as células-tronco em si levarão a uma terapia, mas sou a favor de que se façam os experimentos, pois posso estar errado.

Agência FAPESP – Como, então, as células-tronco podem ser úteis no que se refere à doença de Alzheimer? 

Goldstein – Elas são importantes ferramentas para entender o que acontece de errado no cérebro que leva ao desenvolvimento da doença. Sempre foi muito difícil testar as hipóteses, pois tudo que havia disponível eram modelos animais, cérebros de cadáveres humanos ou células humanas não neuronais nas quais se tentava mimetizar as condições da doença. É complicado retirar células do cérebro de um paciente vivo com Alzheimer para estudá-las, então desenvolvemos um método para criar neurônios in vitro a partir de células da pele desse paciente – fáceis de obter por meio de uma biópsia. Fizemos isso com a tecnologia que permite criar células-tronco pluripotentes induzidas desenvolvida por Shinya Yamanaka (pesquisador da Universidade de Kyoto que venceu o Nobel de Medicina de 2012 pelo método). Em seguida, induzimos a diferenciação em células-tronco neuronais e depois em neurônios, que podemos tratar com drogas e manipular geneticamente para ver o que acontece com a bioquímica cerebral.

Agência FAPESP – Por que optou pelas células IPS e não pelas células-tronco embrionárias? Foi por facilidade ou por questões éticas? 

Goldstein – As células embrionárias foram usadas para desenvolver partes do método. Mas o tipo de experimento genético que estamos fazendo – para tentar descobrir como mutações causam determinados efeitos nos neurônios – requer a tecnologia IPS. Estamos tentando capturar a arquitetura genética única de cada indivíduo. Em vez de fazer uma biópsia do cérebro dessa pessoa, criamos neurônios usando uma célula de sua pele. Começamos os experimentos logo depois que Yamanaka publicou o método, em 2007. Mas levou um tempo para fazer a linhagem de células, caracterizá-las, testá-las. Publicamos nosso método na Natureem 2012.

Agência FAPESP – Quais experimentos vocês já fizeram até o momento? 

Goldstein – Pegamos células da pele de seis voluntários – dois saudáveis, dois com a forma esporádica da doença, que corresponde a 99% dos casos, e dois com uma forma hereditária de Alzheimer. Pacientes com essa mutação hereditária possuem uma cópia extra de um gene que codifica a proteína precursora de amiloide (APP, na sigla em inglês). Em vez de ter dois genes da APP, eles têm três, ou seja, produzem uma quantidade 50% maior dessa proteína e isso lhes dá praticamente 100% de chance de desenvolver a doença por volta dos 40 anos. Das amostras de cada um dos seis voluntários, cultivamos três ou mais linhagens de células IPS, somando ao todo 18 linhagens. A razão de fazer várias linhagens é ter uma maior variabilidade, o que permite saber qual é o comportamento médio gerado pelo genoma de cada paciente. Induzimos a diferenciação em cada uma das 18 linhagens e cultivamos um tipo celular chamado progenitor neuronal ou célula-tronco neuronal e então purificamos. Depois, induzimos a diferenciação em neurônios. Os resultados preliminares mostram que, nos neurônios de pacientes com a forma hereditária da doença, o comportamento bioquímico está anormal. Nos neurônios dos voluntários saudáveis, ainda não encontramos anormalidades bioquímicas consistentes. Já nos neurônios dos voluntários com Alzheimer esporádico, metade estava normal e a outra metade, alterada. Acreditamos que essa anormalidade bioquímica é parte importante da fase inicial da doença.

Agência FAPESP – Essa proteína APP está relacionada à formação das placas no cérebro que se acredita ser a causa da degeneração dos neurônios? 

Goldstein – A maior parte das pesquisas no campo de Alzheimer tem sido direcionada pela chamada “hipótese da cascata amiloide”. Segundo essa teoria, o peptídeo beta-amiloide (A-beta, na sigla em inglês) – um fragmento da proteína APP – tende a se agregar e a formar placas que causam um efeito tóxico para os neurônios, impedindo as sinapses e levando à morte celular. Mas a tentativa de comprovar essa hipótese falhou em todos os testes clínicos com humanos e em experimentos com animais. As pesquisas farmacêuticas tentaram criar inibidores da enzima gama-secretase, responsável por quebrar a APP. Mas essa enzima age em mais de uma centena de proteínas, o que significa que essa droga altera diversos processos biológicos. Apesar de causar muitos efeitos colaterais, não melhorou a função cognitiva dos pacientes que a testaram. Outra estratégia tem sido estimular o sistema imune a criar uma resposta contra o peptídeo A-beta, na tentativa de limpar o cérebro e evitar a formação das placas. Também não apresentou resultados. Os defensores dessa estratégia afirmam que essa é uma abordagem de prevenção e, portanto, não traria benefícios para pessoas que já estão doentes. É difícil testar um método preventivo quando não se sabe quem vai ficar doente, mas um teste clínico que acabou de começar vai tentar fazer isso.

Agência FAPESP – Como? 

Goldstein – Em parceria com o governo americano, a empresa Genentech vai injetar o anticorpo contra o peptídeo A-beta em um grupo de 150 voluntários. Todos são pertencentes a uma grande família da Colômbia que possui uma forma hereditária da doença. Eles serão divididos em grupos de 50. Aqueles que não têm a mutação serão o grupo controle. Um segundo grupo com a mutação, mas ainda sem sintomas, será imunizado. O terceiro grupo, de portadores da mutação, não será imunizado. O experimento deve durar cinco anos e custará US$ 100 milhões. Se o anticorpo conseguir prevenir ou retardar o desenvolvimento da doença nos portadores da mutação genética, será uma forte evidência a favor da hipótese da cascata amiloide.

Agência FAPESP – Mas pesquisas já mostraram a presença dessas placas no cérebro de pessoas sem sintomas da doença. 

Goldstein – Existe essa questão, de fato. Os defensores da hipótese da cascata amiloide podem dizer que, nesses casos, as placas estavam em regiões do cérebro não relacionadas ao Alzheimer. Eles podem dar muitos argumentos persuasivos. Mas eu, particularmente, não concordo com eles. É verdade que, quando você injeta esses peptídeos A-beta no cérebro de roedores, eles ficam com sintomas. Mas será que esses dados são significativos para humanos? O ponto em que todos concordamos é: a mudança no processamento da proteína APP está relacionada com a doença – a forma como ela é clivada e para onde vão seus pedaços. Mas discordamos sobre o efeito tóxico dos peptídeos A-beta sobre os neurônios. Eu penso que o fator importante é que eles competem pelo maquinário de transporte usado para carregar os materiais necessários para que as sinapses ocorram.

Agência FAPESP – De que forma? 

Goldstein – O neurônio é uma célula grande e é preciso um maquinário para levar os materiais necessários para a comunicação de um neurônio com outro até a região em que a sinapse acontece. Esses materiais incluem, por exemplo, pacotes de enzimas que produzem os neurotransmissores e receptores para os fatores de crescimento. Há uma série de coisas que precisam ser entregues no lugar certo para que as sinapses ocorram. A questão desconhecida é: se houver uma queda de 10% nessa entrega de materiais já é suficiente para haver mau funcionamento da sinapse? Não sabemos qual é o limiar para o mau funcionamento. Acredito que o fator inicial para o desenvolvimento da doença não seja, necessariamente, uma grande mudança. Se o peptídeo A-beta fosse realmente muito tóxico para as sinapses, estaríamos todos mortos. Talvez ele tenha uma toxicidade muito pequena e seu efeito se acumule ao longo do tempo. A pergunta realmente importante é: será que os fragmentos A-beta são os únicos responsáveis pelas alterações bioquímicas ou será que outras partes da proteína contribuem para o processo? Ou será que essas outras partes são as verdadeiras culpadas e a formação da placa é um problema secundário? Isso ainda não está bem definido na minha mente.

Agência FAPESP – Qual é a função da proteína APP no cérebro? 

Goldstein – Também há muita discussão sobre isso. Pesquisas mostraram que, se você remove essa proteína totalmente do cérebro de um camundongo por meio de manipulação genética, o animal não morre, mas fica com o desenvolvimento comprometido. Há três diferentes versões desse gene no genoma de todos mamíferos. Quando você silencia o gene da APP, os outros dois assumem algumas de suas funções. Então é difícil saber o que realmente acontece. Nós argumentamos que, quando se remove a proteína APP, ocorrem alterações no transporte de certos materiais para as sinapses. Mas não é uma alteração catastrófica. São mudanças quantitativas e é fácil não percebê-las em um experimento. Outros grupos de pesquisa afirmam que a APP está ligada à resposta dos neurônios a danos físicos. E há ainda evidências de que ela atue em vias de sinalização de longa distância. Isso é interessante, pois um dos principais fatores ambientais de risco para o desenvolvimento de Alzheimer é o traumatismo craniano.

Agência FAPESP – Qual seria a relação do trauma físico com a doença? 

Goldstein – Provavelmente, o que acontece nessas situações são interrupções nessas vias de comunicação a longa distância e o processamento da APP se altera nesses locais. Pode ser que a clivagem da APP seja induzida e os produtos resultantes se acumulem. Mas ainda não sabemos. Trata-se de um caminho de pesquisa muito importante a seguir, mas não foi feito ainda porque todo o campo sofre com subfinanciamento. Nos Estados Unidos, segundo estimativas conservadoras, gastam-se US$ 200 bilhões ao ano com o tratamento de pacientes com Alzheimer. E gastamos cerca de US$ 500 milhões apenas no tipo de pesquisa que fazemos para tentar descobrir as causas primárias da doença. A relação é de 400 para um. É ridículo. Estamos jogando dinheiro fora.

Agência FAPESP – Há outras alterações bioquímicas conhecidas relacionadas à doença de Alzheimer? 

Goldstein – Uma das principais mudanças observadas no cérebro de pessoas que morreram com a doença, além das placas amiloides, é a formação de emaranhados neurofibrilares. Aqueles que defendem a teoria da toxicidade do peptídeo A-beta afirmam que, de alguma forma, eles ativam enzimas que modificam uma proteína chamada TAU. Essas enzimas acrescentam à TAU um grupo fosfato e isso faz com que essa proteína se agregue aos microtúbulos axônicos [por onde os materiais necessários às sinapses são transportados] formando esses emaranhados. Defendo a hipótese de que, em resposta a essa alteração no transporte de materiais, o neurônio tenta remover do caminho os emaranhados que atuam como pequenos redutores de velocidade. Ao remover a proteína TAU aberrante do microtúbulo, no entanto, o comportamento de vários dos carregamentos é alterado e isso pode ser o início do processo degenerativo. Mas ainda não está claro o que acontece com a biologia normal para virar doença. O que tentamos descobrir é como uma pequena mudança leva a esse longo e lento declínio. E em algumas pessoas apenas – não em todas. Nenhuma hipótese, até o momento, descreveu adequadamente quais são os eventos que levam a esse comportamento aberrante da proteína TAU. Mas as ferramentas eram limitadas. Agora, acreditamos que, com verdadeiros neurônios humanos submetidos às alterações bioquímicas da doença in vitro, podemos descobrir o quebra-cabeça.

Agência FAPESP – Como o senhor pretende fazer isso? 

Goldstein – Nos neurônios de pacientes com a forma hereditária da doença, queremos ver qual é o efeito do aumento na concentração de APP – causado pela cópia extra do gene – sobre a proteína TAU. Depois poderemos testar drogas para tentar modificar esse resultado. Com certeza serão drogas muito úteis. Mas, antes de fazer essa triagem de drogas, precisamos padronizar melhor o método para que os neurônios se comportem da mesma maneira todos os dias em todos os ensaios. Nosso plano é testar 50 mil drogas, o que é um número pequeno. Quando os grandes laboratórios fazem suas triagens iniciais, avaliam cerca de 1 milhão. É o que conseguimos fazer no âmbito acadêmico.

Agência FAPESP – O senhor acredita que esses experimentos com neurônios in vitro poderão levar ao desenvolvimento de métodos de diagnóstico ou de tratamento? 

Goldstein – Há dois grandes usos e um deles, sem dúvida, é o diagnóstico. Pretendemos testar se esses neurônios com a arquitetura genética única de uma pessoa permitirão prever se e quando esse indivíduo desenvolverá a doença. Para isso, teremos de fazer um grande experimento e, antes disso, precisamos aperfeiçoar a tecnologia. Isso é factível, mas é um trabalho imenso e requer muito dinheiro. Estamos procurando maneiras de diminuir os custos. Mas alguém pode perguntar: qual é a vantagem de ter o diagnóstico se não há drogas para tratar? Métodos para identificar quem vai desenvolver a doença podem ser muito úteis em testes clínicos de novas terapias. Se você trata uma pessoa que, de qualquer forma, não desenvolveria a doença, sua estatística fica bagunçada. O segundo uso, e talvez o mais importante, no entanto, é entender o que acontece de errado, descobrir quais os passos alterados na doença capazes de serem manipulados – seja com drogas ou com métodos genéticos – para reverter o problema.

Agência FAPESP – O que é o projeto Craig Venter que o senhor mencionou em sua apresentação? 

Goldstein – John Craig Venter é um biólogo americano que teve seu genoma completamente sequenciado. Nós fizemos células IPS a partir de células da pele de Venter. Isso é interessante porque conhecemos todos os seus fatores de risco para o desenvolvimento de doenças. Se tivermos uma hipótese sobre como um fator de risco individual afeta a bioquímica dos neurônios de Venter in vitro, poderemos testar essa hipótese diretamente usando tecnologia genética para alterar aquele fator de risco em particular e manter todo o resto constante. Além disso, estamos colocando mutações que sabidamente causam Alzheimer nas células IPS de Venter para então estudar o que isso altera no funcionamento dos neurônios. O mesmo princípio pode ser usado por pesquisadores que investigam outras doenças e, por isso, depositamos as células IPS de Venter em um banco celular.

Por Karina Toledo/ Agência FAPESP


Criado por Rodrigo Lima