Na década de noventa, quando eu era vereador em São Carlos, ocorreu uma forte articulação visando à privatização do Sistema Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) do município. Aquela foi a década das grandes privatizações no País, iniciadas por Collor de Mello e implementadas febrilmente por FHC - ambos inspirados no malfadado Conscenso de Washigton.
Durante seus 8 anos de governo, FHC privatizou mais de uma centena de empresas estatais estratégicas, entregando-as a interesses multinacionais a preço de banana. Só não privatizou a Petrobras (bem que tentou), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, porque não teve tempo e, fundamentalmente, porque o povo resistiu.
Vários municípios embarcaram na onda das privatizações tucanas. Quando começou o lobby para a privatização do SAAE de São Carlos, acenaram com exemplos de outras cidades que tinham privatizado o serviço de água e esgoto e, óbvio, tudo estaria "uma maravilha de eficiência".
Eu era, então, líder de uma bancada de 7 vereadores (1/3 dos 21 vereadores) do PMDB. Desde o governo Collor e passando pelos oito anos de FHC, sempre fui um crítico das privatizações de patrimônios públicos. Isto ficava muito claro pelas dezenas de artigos que, à época, escrevi na imprensa local; meus companheiros de bancada na Câmara - João Muller, Mazola, Hilário Apolinário, Maçatochi Kyomura, Ariovaldo Brigante e Xarazinho - sabiam disso.
E sabiam que eu jamais poderia apoiar a privatização do SAAE. Em reunião da bancada decidimos que todos votaríamos contra o anteprojeto de lei, caso ele fosse enviado à Câmara e colocado em votação. Sem os nossos 7 votos, a proposta de privatização do SAAE não teria condições de ser aprovada. Moral da história: a proposta foi engavetada sine die.
Hoje, na segunda década do século XXI, e surfando na onda das concessões públicas, ressurge - ao que tudo indica - a proposta de privatização do SAAE de São Carlos, muito provavelmente com a roupagem de uma parceria público privada (PPP). Contudo, concessão para exploração de um bem público por 20 anos (por exemplo), renováveis por outros 20, não deixa de ser uma medida perigosa.
Isto porque a inciativa privada (fazendo uso de um bem público), por visar fundamentalmente o lucro, poderá manipular as tarifas a seu bel-prazer, inclusive - e muito provavelmente - em prejuízo do consumidor (vide o exemplo das concessões das rodovias paulistas, com o preço do pedágio nas núvens). Uma PPP nos moldes da que foi realizada entre a prefeitura de S. Carlos e a Vega-Engenharia Ambiental para a construção do aterro sanitário é diferente: o aterro foi construído pela empresa, já que o poder público não dispunha de recursos para tal.
Caso o poder público municipal pretenda realmente privatizar o SAAE, é fundamental que haja uma discussão não só transparente, como também profunda com a sociedade. Neste sentido, o papel dos vereadores é muito importante.
Emerson Leal - Doutor em Física Atômica e Molecular e vice-presidente do PPL de SP.
21/Outubro/2023
182 Views